Santa Cruz
Nesta pintura, António Olaio mostra o túmulo do D. Afonso Henriques, a estátua jacente do primeiro rei de Portugal, e, sobre ela, a legenda: “When did the founder of Portugal begin to feel Portuguese?” numa acção extremamente perturbadora para a consistência da ideia de identidade.
Sempre me fascinou a estátua jacente de Afonso I, idealizada por Nicolau Chanterene, com a de seu sucessor, o primeiro Sancho, para os novos túmulos, monumentais, que Manuel I — que refundava então, simbólica e mitograficamente, o Reino a que ascendera, no quadro de uma reconquista nova, de além-mar — encomendara para esse marco, também fundacional, da Monarquia, que era o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, por 1518/22. Túmulos-monumento, exigindo na sua interpretação a luz da História, vincando na cidade-berço, a remota origem da Coroa, que Manuel cingia, e a sua missão transcendental: da fundação de um Império que, mais de um século volvido, em quadro agora de Restauração, outro grande mitógrafo, o genial Vieira, fixaria como o V na aetatis mundi.
Chanterene temperava o seu cinzel nas tertúlias boémias dos humanistas áulicos, em Évora e Coimbra, e cria voluntariamente, em Santa Cruz, dois ícones opostos: o de Sancho, representação abstrata e comum de um preclaro ancestro, que tanto lhe serviria a ele como a outro qualquer nesse tempo remoto de iconografia ignota, e o de Afonso cuja imagem, toda ela ideal, pousava inteira sobre o mito na recriação mental de cada um, em aura de força e de talento, nimbando uma vida de extensão prodigiosa, pedra angular sobre a qual, desde então, assentaria Portugal.
E o escultor criou uma imagem veraz, de ancião e patriarca, de bíblico recorte, que é, na essência inteira, um retrato pleno, mesmo que inventado. Sobre ela, António Olaio — que em nossos dias logrou, por sua vez, reinventar esse género ingrato — faz descer a visão sem matéria do pintor (toda ela ideia) na pergunta que se impõe: WHEN DID THE FOUNDER OF PORTUGAL BEGIN TO FEEL PORTUGUESE?
Ninguém pode responder a tal, como a essa outra de “quando, exatamente, Portugal nasceu”. Verdade ou não, Chanterene deu-nos a imagem de um Rei Fundador que (sob o estro visionário que o incendiava), começou a sentir-se português, seguramente, no momento em que o sonho o dominou. Logrou retratar o próprio mito. Na capacidade interpelante da escultura se demonstra o superior talento do antigo artista — como o de António Olaio, em captar a essencial questão e no-la devolver em nova e eficaz plasticidade.
António Filipe Pimentel
Ficha técnica
curadoria curator Carlos Antunes e Pedro Pousada
co-produção co-production Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, Café Santa Cruz
montagem assembly Círculo de Artes Plásticas de Coimbra
agradecimentos especiais special thanks to Galeria Filomena Soares
Espaços
Data início
31/10/2015
Data fim
29/11/2015
09h-00h (aberto no dia 31 de Outubro e a partir de dia 11 de Novembro)