“A Sombra do Caçador” por Pedro Sá Valentim

 
Esta obra parece fluir sob o signo da elementaridade (como se se tentasse um regresso a uma primitividade essencial, e daí a aura anacrónica que dele perpassa e a sua declarada filiação nos mitos fundadores, desde as alusões bíblicas às do fabulário popular europeu), isto porque não só explora um dos sentimentos mais elementares — o medo (até o amor e o ódio parecem ser mais elaborados), como a estética de que se serve para o tratar (e fazer do medo matéria plástica) é também ela elementar ao definir-se e ser constantemente combinada numa dicotomia formal (quer a do preto e branco da fotografia, quer a da luz e da sombra esculpidas, quer a do realismo de certas representações em óbvio contraste com o recorte onírico de outras, até a do confinamento dos espaços fechados contra a amplidão dos espaços abertos), a par ainda da perspectiva bipolar em que a enquadra (ao opor o bem e o mal, a verdade à mentira, a vida à morte, o mundo dos adultos ao mundo das crianças, os grandes aos pequenos, os fortes aos fracos, os homens às mulheres, o amor ao ódio, etc), e que é articulada por sua vez por um discurso fílmico que revisita Griffith de forma deliberada e deste modo persegue a elementaridade dos pioneiros.

Laughton trabalha aqui o medo como autêntica matéria plástica, isto porque ao carácter aterrador de muitas das referências tanto verbais como visuais e sonoras, acresce o vincado estilo expressionista mais o seu chiaroscuro, que acentuam disparidades, ampliam contrastes, distorcem proporções e conferem ao design deste filme uma aura fantomática e tenebrista, tudo caraterísticas próprias da imaginação sensível e da sensibilidade sugestionável do universo infantil, e por isso povoada por elementos do grotesco típicos dos contos de fadas.