“Palavra e Utopia” por Pedro Sá Valentim
Inscrito numa filmografia que é das que mais reflectiu sobre uma ideia de Portugal (enquanto acidente e desígnio histórico já desde a sua fundação à procura de se cumprir) e das que ostenta uma longa relação umbilical com a palavra (dita e escrita, chega a ser um cinema diseur (são “filmes falados”) ao mesmo tempo que sempre se distinguiu por cultivar uma forte matriz literária, plasmada na própria plástica do discurso que o articula, a tal “palavra visual” de que falou Bénard da Costa), este filme, que retrata aquele que foi justamente um dos maiores pensadores da portugalidade bem como um dos mais hábeis cultores da língua lusa, concorre para ser porventura o corolário dessa mesma reflexão, ao mesmo tempo que se apresenta como um autêntico Oliveira vintage, isto é: da melhor safra, onde tanto o tema como o trato dado ao tema não poderiam ser mais oliveirianos.
Mas Oliveira não se propõe a um mero exercício ilustrativo das palavras de Vieira, antes procura — e é nesta procura que reside o movimento interior deste filme, a sua secreta demanda, o seu íntimo desígnio — fundi-las com imagens depuradas em que estas ecoem (as tais imagens ‘justas’) e que no-las devolvam amplificadas e assim lhe relevem a majestade hipnótica com que arvorecem (o plano inaugural deste filme é o da tal multidão de copas das árvores feitas metáfora viva da palavra que evangeliza e que salva), se agitam e, ainda que presas à terra e à sua origem e condição mortal, apontam iluminadas para o céu.