“Hiroshima Meu Amor” por Pedro Sá Valentim
Hiroshima Mon Amour é um ensaio agudo e áspero sobre a exclusividade da experiência traumática e sobre a impossibilidade do amor se abdicarmos da memória e do confronto com essa memória (ao abdicarmos do passado comprometemos o futuro) e a esta lhe preferirmos o esquecimento. Ao justapor-se a cidade mártir ao par e ao trauma amoroso que o define (ao dar-lhe precisamente o epíteto do par perdido ou em vias de se perder: Hiroshima Mon Amour, “Como havia eu de imaginar que esta cidade era feita à medida do amor? Como havia eu de imaginar que tu eras feito à medida do meu próprio corpo?”) está a anunciar-se uma reconciliação com o passado traumático que aponta à redenção (e aqui a redenção chega com o debate e a aceitação e celebração do que somos e daquilo que nos aconteceu — da nossa história, quer seja a história pública ou a história privada), ao declarar-se que o amor é de facto uma projecção (um projecto, uma construção, um edifício) que também pode ser devastada e devastar (Hiroshima), mas que ainda assim, em vez de o tentar esquecer (calando-o, negando-o em silêncio, fugindo-lhe ou sepultando-lhe as ruínas) e correr-se o risco de uma penitência mal resolvida e assim de que a catástrofe regresse e se repita, o melhor há-de ser sempre resolvê-lo ao exorcizá-lo e celebrá-lo, e, a solo ou em dueto, fazer dele uma canção (Mon Amour).