Abílio Hernandez: “Não há cinema sem palavra”
Texto de Abílio Hernandez sobre o ciclo “A Palavra”, que começa amanhã e acompanha o Anozero todas as quartas-feiras. Todas as informações sobre os filmes e quem os vai comentar estão aqui.
Não há cinema sem palavra
A palavra, diz-nos António Ramos Rosa, é aos olhos do vento que ela fala. A imagem, acrescento, expõe-se aos olhos do fogo. Uma busca perder-se no tempo, a outra deixa imolar-se no espaço. É com uma e outra que o cinema nos fala de afetos, raiva, esperança, violência, doçura, solidão, perda.
No cinema, a imagem não existe separada da palavra e por isso nunca se substitui a ela. Mesmo quando se cala, a palavra é um silêncio que nos fala.
Neste ciclo encontramos filmes em que imagem e palavra são efémeras até à vertigem, apenas capturáveis na fugacidade de cada plano.
Como em Godard. Outros detêm-se em cada imagem e em cada palavra, nelas construindo a cada passo a sua própria duração. Como em Dreyer, Oliveira ou Resnais. E outros, ainda, em que palavra e imagem protagonizam um rendez-vous marcado ora pela atração ora pelo confronto. Como em Laughton e Wilder.
Em todos, porém, filma-se a palavra na plenitude da sua riqueza plástica e sonora. Em cada filme, a respiração da palavra não coincide com a respiração da imagem, mas a materialidade de uma é tão intensa quanto a materialidade da outra.
No cinema, entre a imagem e a palavra irrompe uma contaminação, desejada e inevitável, em que nenhuma perde a sua identidade, antes depende da outra para a afirmar e aprofundar. Palavra e imagem dialogam e confrontam-se, tocam-se e afastam-se, percorrem caminhos que se cruzam e descruzam, se encontram e se perdem, num infinito jogo de sedução. Como os amantes de Hiroshima: tu me tues, tu me fais du bien.
Abílio Hernandez