“O Crepúsculo dos Deuses” por Pedro Sá Valentim
Ao mesmo tempo que sempre se soube vender muito bem, Hollywood também sempre se soube alimentar muito bem dela própria. E a esta propensão autofágica, a este apetite por ela mesma e pelo património mítico que edificou — tanto pelo esplendor da constelação de estrelas (a luz) como pelos bastidores desse estrelato (a sombra) — não são obviamente alheios o narcisismo e a self consciousness que sempre fizeram parte de quem se vê ao espelho e se enquadra nesse mesmo espelho, de quem modela e ao mesmo tempo se serve a si mesmo de modelo. E como já lembrava Douglas Sirk (que, à semelhança de Billy Wilder, integrou a mesma vaga de realizadores alemães exilados em Hollywood): “The mirror is the imitation of life. What is interesting about a mirror is that it does not show yourself as you are, it shows you your own opposite”. Ora, ainda que seja Hollywood tentada a olhar-se a ela própria ao espelho e a ter de confrontar-se com o que este lhe devolve por reflexo, Sunset Boulevard é sobretudo o atrevimento dessa Hollywood em se aventurar e procurar saber o que há do lado de lá desse espelho.